Tive a oportunidade de participar
desta palestra quando ainda era aluna do curso de Gestão Pública na
Universidade da Amazônia - UNAMA, no ano de 2002. Foi sem dúvida uma
grande lição para levarmos para nossa vida profissional, no sentido de
termos a consciência da fundamental importância do cumprimento dos
princípios da Administração Pública preconizados no Art. 37 da
Constituição Brasileira.
Denize Pereira.
Sérgio Roberto Bacury de Lira ( * )
Este artigo é resultado de uma palestra proferida para os alunos do
Curso de Gestão de Órgãos Públicos da UNAMA, no último dia 22 de
outubro, na disciplina ministrada pelo Prof. Lucival Teixeira. A
temática abordada procura mostrar como os gestores públicos – aqueles
que dirigem os órgãos públicos, indistintamente do grau hierárquico de
sua função – ainda vêm se comportando e tomando as suas decisões
gerenciais mesmo após a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal
(LC nº 101/2000).
O tema procura fazer uma analogia, por um lado, aos princípios dos 10
mandamentos contidos na Bíblia, no sentido de que o não atendimento de
qualquer um desses princípios levaria o homem a cometer um pecado e, por
outro lado, à definição do que a religião entende por pecado capital – é
assim chamado por dar origem a inúmeros outros pecados e se constitui
na raiz de onde brotam vários outros vícios.
A idéia básica contida neste artigo é a de que uma adequada gestão
pública tem que se apoiar nos seguintes pilares: planejamento,
transparência, controle e responsabilidade. Estes também são os pilares
que balizam a Lei de Responsabilidade Fiscal. Evidentemente que além
desses princípios ainda é imprescindível que o gestor atue com ética, o
que balizará o seu comportamento perante à sociedade que representa.
1º Pecado - O gestor público não programa as suas ações de
forma planejada, mas sim as concebe no dia-a-dia, conforme a urgência de
cada situação.
Qualquer ação requer planejamento, sob pena de não se alcançar a meta
pretendida. No setor público isto é imprescindível, pois as demandas da
sociedade em geral são maiores do que a capacidade de atendimento do
estado. A Lei de Responsabilidade Fiscal trata esta questão de forma
especial, obrigando o gestor público a adotar mecanismos que garantam
efetivamente o exercício do planejamento. Para tanto, condiciona com que
a ação pública seja planejada através dos seguintes instrumentos
legais: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Como esses instrumentos se transformam em documentos formais, inclusive
exigidos pelos Tribunais de Contas, são elaborados de acordo com o que
exige a legislação. Ocorre que por si só não garantem com que a ação
pública seja efetivamente realizada de forma planejada. O que ocorre no
dia-a-dia de um gestor público, principalmente na esfera municipal, é
que a sua ação não é balizada ou apoiada no que está contido nesses
instrumentos, ou então que a sua ação somente seja iniciada após a
verificação de que a mesma faça parte da sua programação contida nesses
instrumentos. O gestor público normalmente vai fazendo acontecer as
coisas de acordo com o que está contido na sua cabeça ou dependendo da
emergência da situação, e depois a sua área técnica ou o escritório de
contabilidade é que dêem o jeito para enquadrar essas ações nesses
instrumentos, de forma tal que pareça que foi programado antecipadamente
de acordo com o espírito da lei, e que não dê motivos para punição por
parte dos Tribunais de Contas.
2º Pecado - O gestor público não dá importância ao orçamento público, concebendo-o como entrave burocrático à sua administração.
Nenhuma pessoa consegue planejar e/ou efetivar seus gastos sem possuir
um orçamento. Assim ocorre também no setor público. A legislação exige
que para cada despesa a ser realizada ela tem que estar programada no
orçamento. O orçamento, todavia, não se resume apenas à disponibilidade
financeira que o gestor público possui naquele exercício, mas diz
respeito à sua programação de trabalho. Hoje, não é mais possível
iniciar novos projetos sem que estes estejam contidos no orçamento, da
mesma forma que não se pode incluí-los no orçamento sem que o gestor
comprove que isto não afetará a continuidade dos que já se encontram em
andamento. Aliás, nada disto será permitido se o gestor não comprovar
que a inclusão desses novos projetos não afetará também as despesas de
manutenção e conservação do patrimônio público.
Por conta disso e de outras normas legais (como os limites mínimos de
despesas em diversas áreas), o gestor público cria uma verdadeira
aversão pelo orçamento. O orçamento nunca é visto como um instrumento
que pretende organizar e facilitar a ação do gestor, mas sempre como um
entrave à sua administração. Procedimentos necessários para que se
ocorra a autorização de qualquer despesa no setor público, como a
verificação de disponibilidade orçamentária e financeira, são vistos
como burocráticos e desnecessários. O gestor público efetiva as despesas
e somente após o recebimento das notas fiscais é que a contabilidade
procede o seu empenho e a conseqüente inserção da mesma no orçamento. Em
vez da despesa ocorrer na seqüência empenho-liquidação-pagamento, na
prática ocorre na forma inversa: pagamento-empenho, deixando de ter
sentido a fase da liquidação. E, algumas vezes, somente após isto é que
se procede as suplementações orçamentárias. Isto ocorre sobretudo na
esfera municipal, face a inexistência de um sistema que obrigue o
cumprimento das fases da despesa. Se dependesse da vontade de alguns
gestores públicos, o documento que contém o orçamento seria literalmente
rasgado.
3º Pecado - O gestor público não gosta de descentralizar decisões, pois entende que isto significa perda de poder.
O fundamento básico de uma administração eficiente é que esta funcione
de forma integrada, compartilhando decisões entre os seus membros, dado o
princípio do planejamento estratégico. Na administração pública não se
trabalha sozinho, decorrendo o resultado de qualquer ação governamental
da ação coletiva de um conjunto de pessoas ou, no mínimo, de uma
determinada equipe de trabalho. Ocorre que as decisões não são
totalmente descentralizadas em sua estrutura hierárquica, visto que para
o gestor público descentralizar significa transferir o poder da decisão
para outrém, ou seja, significa perda de poder político.
Como, em geral, o gestor público procura garantir a sua sobrevivência
através do poder político, ocorre que, além de normalmente as decisões
políticas se sobreporem sobre as decisões técnicas, em inúmeras
situações acaba o gestor concentrando também as decisões técnicas,
dificultando a eficácia operacional da sua própria administração.
4º Pecado - O gestor público não investe em capacitação e nem
tampouco busca as melhores referências profissionais. O seu foco é
político e não técnico.
Uma administração eficiente precisa contar com os melhores
profissionais. Um gestor precisa e deve compor a sua equipe de trabalho
com pessoas que vão lhe ajudar tecnicamente da forma melhor possível.
Existe um provérbio de que um administrador inteligente é aquele que
compõe a sua equipe com pessoas mais inteligentes do que ele, pois isto
lhe possibilitará assimilar mais conhecimentos.
O que ocorre, na prática, é que a maioria dos gestores públicos procura
formar a sua equipe de trabalho a partir de um critério político e não
técnico. Em geral, os gestores procuram abrigar nos cargos existentes
pessoas que fazem parte do seu grupo político, não procurando trazer
para a gestão pública as melhores referências profissionais existentes
no mercado. Além do mais, não procuram investir em capacitação e
reciclagem profissional, pois normalmente entendem que isto se constitui
em despesa (desnecessária) e não em investimento para a melhoria do
atendimento do setor público. Como conseqüência, a administração pública
evidencia-se ineficiente e sem compromisso com a qualidade dos serviços
prestados à sociedade.
5º Pecado - O gestor público tem receio de ser transparente, pois teme ser questionado sobre as suas ações.
Com a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal, tornou-se
obrigatório o exercício da transparência das ações desenvolvidas por
qualquer gestor público. A gestão fiscal – controle das receitas e
despesas públicas, deve ser acompanhada pela sociedade, devendo os
gestores públicos disponibilizarem as informações relativas às receitas e
gastos efetuados através de publicação e divulgação, inclusive por meio
eletrônico.
Até a presente data são raros os casos de divulgação das informações
fiscais por parte da administração pública. Em geral, no final de cada
exercício são publicados relatórios resumidos de execução orçamentária,
mas em uma linguagem técnica que nenhum leigo no assunto consegue
entender. Na verdade, não há interesse dos gestores públicos em
disponibilizar essas informações de forma desagregada e por períodos
contínuos, pois isto permitirá com que os segmentos organizados da
sociedade possam avaliar criticamente a sua administração. Em suma, os
gestores não se esforçam para serem transparentes no trato da coisa
pública.
6º Pecado - O gestor público não tem o hábito de socializar informações e de utilizá-las em sua estratégia de ação.
A informação é a base do conhecimento humano. Na gestão pública a
informação é de fundamental importância para a tomada de decisões. Do
ponto de vista técnico, tomar uma decisão sem que esta esteja balizada
por informações acerca da situação, resultará em uma ação ineficaz. É
como se fosse necessário ex-ante uma fotografia da situação, para que a partir de sua análise minuciosa sejam tomadas todas as decisões técnicas e/ou políticas.
Devido a falta de uma ação planejada, e às vezes em decorrência da
deficiência técnica da equipe de trabalho, não são produzidas
informações para a tomada de decisões na gestão pública. Em geral, não
se produzem indicadores de avaliação e desempenho e, mesmo quando
existem não são utilizados como parâmetros de condução da coisa pública.
Isto dificulta o acompanhamento da gestão administrativa por parte da
sociedade, pois as informações não são disponibilizadas nem tampouco
socializadas para todos.
7º Pecado - O gestor público fica tentando inventar a roda,
quando poderia aperfeiçoar e adequar para a sua realidade situações já
existentes.
A demanda da sociedade por ações concretas do setor público em prol da
melhoria da qualidade de vida exige, sobretudo, criatividade. A inovação
e o aperfeiçoamento tecnológico é vital no setor privado, pois nesse
setor o conhecimento e o domínio tecnológico condicionam a competição
entre as empresas. No setor público, entretanto, não existe essa
preocupação. Para os gestores públicos o importante é que existam
condições concretas para que as ações efetivamente ocorram.
Todavia, nessa ânsia de fazer as coisas acontecerem e, principalmente,
de serem inéditos em sua ação, não buscam conhecer e adequar para a sua
realidade situações ou ações já implementadas em outros lugares e por
outros administradores. Ou então, quando conhecem essas experiências,
procuram não copiá-las ou adotá-las em sua administração, visto que isto
poderia significar falta de iniciativa política. Por conta disso, ficam
tentando inventar a roda, quando na maioria das vezes a roda já foi
inventada.
8º Pecado - O gestor público ainda não acredita que será punido se cometer erros ou prejuízos à sociedade.
A Lei de Responsabilidade Fiscal introduziu novos conceitos na
administração pública, principalmente no que diz respeito ao binômio
probidade/eficiência. Em outras palavras, explicitou a necessidade de
que a ação pública ocorra baseada nos princípios da moralidade, do
combate à corrupção, e do alcance de resultados concretos. Para tanto,
introduziu também mecanismos de punição para os maus gestores ou
gestores ineficazes do ponto de vista administrativo.
Ocorre que mesmo depois da existência dessa Lei ainda predomina o
sentimento da impunidade para o gestor público. Na prática, pelo simples
fato de que cometer erros ou prejuízos à sociedade não leva ninguém
para a cadeia, faz com que o gestor não se preocupe com a justiça, nem
mesmo com os Tribunais de Contas. Além do mais, quando um político é
reconduzido ao poder por meio do sufrágio universal mesmo depois de ser
acusado publicamente por atos ilícitos, isto estimula e reforça o
sentimento da impunidade, dificultando a existência de gestores com
condução administrativa e política correta.
9º Pecado - O gestor público administra a coisa pública como se
fosse uma administração doméstica e baseada em contabilidade de
botequim.
A ausência de planejamento na gestão pública, assim como de decisões
descentralizadas, de trabalho em equipe, e de outros procedimentos
basilares de qualquer administração, faz com que o gerenciamento da
coisa pública ocorra como se fosse uma administração doméstica. O gestor
conduz o setor público como se estivesse gerenciando a sua própria
casa, não vendo necessidade de prestar esclarecimento às outras pessoas,
ou seja, à sociedade.
Por outro lado, por falta de planejamento e controle nas despesas
públicas, e até mesmo por não utilização de, no mínimo, um cronograma de
desembolso financeiro mensal, ocasiona com que a contabilidade seja
igual a de um botequim, isto é, tudo que entra de receita sai
automaticamente como despesa, incorrendo com que nos períodos em que a
receita é menor surjam inúmeros problemas para a quitação de dívidas
junto aos credores.
10º Pecado - O gestor público não se preocupa em ser
responsável do ponto de vista legal, mas sim em ser eficiente do ponto
de vista político.
A Lei de Responsabilidade Fiscal só permite que o gestor público não
cumpra as determinações impostas para a contagem de prazos, os valores
mínimos a serem investidos, o pagamento da dívida pública, o valor
máximo permitido com a folha de pagamento de pessoal, o atingimento dos
resultados fiscais e a limitação de empenho, quando ocorrer uma
calamidade pública, estado de defesa ou de sítio. Não existindo essas
situações, é dever do gestor administrar a coisa púbica com probidade,
seriedade, competência e eficiência.
Todavia, o gestor público não está preocupado em ser responsável sob o
ponto de vista da legislação, pois dentre outros motivos isto
condicionará com que ele se sinta limitado e impedido de conduzir as
suas ações da forma como deseja e age. A sua intenção é ser eficiente do
ponto de vista político, pois atendendo aos apelos e à demanda
manifestada por seus pretensos eleitores, garante-lhe a possibilidade de
recondução e sobrevivência política.
A existência desses pecados capitais não incrimina o papel desempenhado
pelos gestores públicos, da mesma forma que a existência de pecados na
Bíblia não condena o ser humano a ser um eterno pecador. Na verdade,
tanto lá quanto cá, a sua existência é a certeza da possibilidade de que
a qualquer momento alguém poderá cometer um pecado. O gestor público,
de espírito tão frágil como qualquer ser humano, sempre está propenso a
cometer, pelo menos, um desses pecados. Aliás, quem já não cometeu algum
desses pecados? Portanto, qualquer semelhança não é mera coincidência.
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